Novo ambiente, rostos, cheiros… Esses fatores são apenas alguns dos que mais marcam o início da vida escolar das crianças. Além disso, elas precisam aprender a ficar longe dos pais. O fim dessa equação nem sempre é fácil. Porém, cada caso é um caso. Existem as que, desde o começo, já dão tchau no portão de entrada e ficam bem, por exemplo. “A adaptação é o período para lidar com o espaço entre o conhecido e o desconhecido. Por isso, pode despertar o medo, que tem a ver com a expectativa criada a partir das experiências vividas de separação momentânea entre a criança e a família”, afirma Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
E, ainda que bebês de até 6 meses estranhem menos, não tem idade melhor ou pior. O período de adaptação, ou seja, aqueles dias em que os pais ficam com os filhos na escola por algumas horas, é essencial sempre, seja no berçário ou no ensino fundamental. O que vai determinar o sucesso da tarefa é o entrosamento entre aluno e escola, a forma com que os pais dialogam com o filho, e o nível de confiança da família em si própria, na criança e na instituição escolhida. Você vai precisar de conversa, cuidado, amor e alguns ajustes: rotina, alimentação, sonecas… além de desprendimento para permitir o vínculo do seu filho com pessoas fora do âmbito familiar. “É um período para vivenciar a espera, ausência e presença, saudade e reencontro, importante tanto para a criança quanto para os pais”, diz a neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em Psicologia do Desenvolvimento. Veja histórias de três famílias e dicas para dar tudo certo na adaptação.
A publicitária Liliany Samarão, 37 anos, mãe de Carlos Eduardo, 1 ano e 7 meses, tinha receio de deixar o filho “sozinho”
“Desde a gravidez, eu sabia que o dia de procurar berçário chegaria. E estava tranquila, estava certa de que colocá-lo na escola, em contato com outras crianças, era o melhor para o meu filho. Eu teria quatro meses de licença mais um mês de férias – cinco meses ‘infinitos’ aos olhos da mãe de primeira viagem.
A coisa mudou quando Cadu tinha 3 meses e meio. Começou a me bater o desespero: precisava visitar escolas, dispensar a babá que me ajudou no início. E me peguei despreparada para tudo aquilo: para ele ficar com estranhos, para ‘largá-lo’ depois de tanto tempo juntos.
Foram dez escolas visitadas. Uma não me agradava o cheiro. Na outra, a limpeza. Ficava olhando os espaços, as outras crianças (se estavam felizes, se brincavam). Impliquei até com a caixa de areia de uma delas.
O fato é que o tempo estava passando e eu não encontrava nenhum lugar que ‘saberia cuidar do meu bebê’. Até que uma amiga me indicou a escola onde ele está até hoje. Fomos visitar e me encantei: limpa, organizada, pequena e superbonitinha. Todas as crianças pareciam felizes.
Pronto. Missão cumprida. Ou, quase. A loucura mesmo veio na adaptação. Eu só pensava: meu bebê de 4 meses e meio vai ficar sozinho! Foram 15 dias nos quais a realidade bateu duro. Nos primeiros, ficamos algumas poucas horas e eu saia de lá com ele. No quinto dia, o horário se estendeu e eu deveria ir almoçar em casa e deixá-lo na escola. Veio o bloqueio. Simplesmente congelei e era óbvio (para mim) que não conseguiria sair dali. Quando estava na porta da escola, lágrimas começaram a descer no rosto. A coordenadora veio me confortar, me ofereceu um chá. Estava tudo bem, ela dizia.
Estava? Nunca comi tão rápido na minha vida. Almocei correndo e voltei. Quando cheguei, ele estava todo feliz no tapetinho, brincando. Meu coração parou por um segundo e fiquei entre ‘OK, ele gosta’ e o ‘deixei meu bebê e ele não sentiu minha falta’.
As semanas seguintes foram de muito aprendizado. Não era simples deixar meu filho, tão pequeno e tão indefeso, ali. Tinha só duas semanas, antes de voltar ao trabalho, para ganhar confiança. Mas entendi que era por uma boa causa. Eu ia trabalhar, fazer algo que eu gostava, voltar a ser ‘eu’ sozinha. Não um ‘eu com ele’ o tempo todo. E sabia que ele estaria bem cuidado e iria entender um dia.
Pouco mais de um ano depois, reconheço que foi difícil, mesmo que ele não chorasse nas despedidas. Mas fiz a coisa certa. Hoje, sei que a adaptação, com certeza, foi para mim.”
Diego, 5 anos, chorava todos os dias na porta da escola, aos 2. A solução foi a mãe, a cabeleireira Lídia Seriacopi, repensar sua escolha
“Meu filho era acostumado a ficar 24 horas por dia grudado em mim, pois eu o levava para o trabalho junto comigo. Diego me sugava de todas as formas, tomava todo meu tempo e eu precisava voltar a fazer minhas coisas. Então, pesquisei bastante e, aos 2 anos e 3 meses, ele foi para a escola. Conversamos bastante sobre o assunto, ele participou da compra de uniforme e material e estava animado.
Começar de novo
O primeiro contato dele com a escola foi ótimo e durante a semana de adaptação também ficou tranquilo. Mas depois… Ele se arrumava em casa e ia todo feliz, mas, quando chegava lá, não tinha nada que o tirasse de dentro do carro. Era uma birra com manha sem fim. Eu entrava com ele no colo e saía quando estava brincando com outras crianças, distraído. Ia para o carro e ficava esperando ele parar de chorar. Dava para ouvir tudo do estacionamento. No início, eu chorava junto. Mas depois tive um momento de revolta, achava que ele era mimado. Aí, voltei a sofrer novamente.
O dia a dia não melhorou, eu perguntava e ele contava sobre as atividades da escola. Só que, no dia seguinte, chorava para ficar. Ele, que estava no período de desfralde, regrediu na época. Tentei mudá-lo de horário, não adiantou. As professoras cuidavam bem dele e eram atenciosas. Só que eu sentia que faltava algo na parte pedagógica, não estava satisfeita. Foi um ano inteiro em que não tive paz. Ele não podia nem ouvir o nome da escola, o ‘santo’ não bateu.
Decidi mudá-lo, então. Peguei indicações e, quando fui conhecer a nova instituição, conversei muito e relatei todo meu sofrimento anterior. Eles me acolheram. Quando falei para o Diego que ele ia para uma escola nova, com novos amigos, ele já sorriu dizendo que estava curioso para conhecer o espaço.
Não precisou nem de adaptação. Ele deu a mão para a ‘tia’, acenou e foi todo alegre. Faz dois anos que está lá e simplesmente ama a escola. Às vezes, ainda chora porque quer ficar grudado em mim. Quando sou eu quem o leva, me dá 300 mil beijos, 1 milhão de tchaus e chora porque diz que vai sentir saudade. Já quando é o pai que o leva, não tem chororô.
Eu ainda me culpo pela primeira experiência escolar dele ter sido ruim. Criei tantas expectativas que não se confirmaram… Tenho raiva quando lembro do tempo perdido lá. Porém, sei que foi apenas uma falta de sintonia dele com a instituição, acontece. E, hoje, fico tranquila ao vê-lo bem.”
A empresária Tatiana Canova, 40 anos, conta como driblou os medos da filha, Isadora, 7, ao entrar no 1º ano
“Moro em um condomínio fechado que tem uma pequena escola infantil. Minha filha entrou lá com 1 ano e 7 meses e não deu trabalho na adaptação. Amava o lugar. Ao longo do último ano, como chegaria a hora de mudar para o ensino fundamental, fui explicando a ela sobre a transição. Ela ficava empolgada com a ideia de ir para uma escola grande, mas, ao mesmo tempo, assustada. Isso foi gerando ansiedade e, no último semestre, o medo começou a tomar conta.
Choro e dor de barriga
Assim que Isadora acordou para seu primeiro dia de aula na escola nova, no 1o ano, sentiu dores na barriga. Era uma mistura de mal-estar e ansiedade. Logo percebi que teria problemas. Então, meu marido e eu decidimos levá-la juntos. Quando a deixamos no portão, ela entrou com uma assistente e foi até a sala de aula. Até aí, tudo certo. Entramos no carro e saímos. Meu marido não chegou a conhecer a sala dela e resolveu voltar. Conversamos com a coordenadora e ela nos levou até a turma. Para nossa surpresa, minha filha não estava na classe e, sim, chorando no banheiro, ao lado de uma assistente.
Observei, de longe, que conseguiram acalmá-la. Mas, ao me ver, agarrou no meu pescoço. Chorou por mais de 40 minutos. Tentei conversar, fiquei com dó, tive raiva do comportamento dela. Tudo junto. Ela se debatia nos meus braços e tentava fugir pelo portão várias vezes. Eu a pegava no colo e a levava novamente até a sala, mas era um escândalo. Chorava de soluçar. Ela dizia que não queria ficar com aquelas pessoas estranhas. Vi que não iria se acalmar e, se eu a levasse para casa, nunca mais conseguiria voltar. Fui com ela até a sala, onde os colegas brincavam. Deixei-a no colo da professora, aos berros.
Foi horrível, pois não sabia se estava fazendo o certo. Voltei chorando para casa, me sentindo uma péssima mãe por não saber contornar a situação. Quando cheguei, liguei na escola e disseram que ela tinha se acalmado assim que saí. Já estava brincando com os amigos. Mesmo assim, foram mais alguns dias de crises de dor de barriga. Ela pedia para faltar sempre. Lembrei do truque do ‘spray que espanta monstros’ e fiz um com ‘água mágica para dor na barriga’. Ela o passava antes de ir para a escola e na classe também. A dor sumiu com o tempo, para nosso alívio.
Depois de algumas semanas, quando Isadora já estava mais bem adaptada, outro episódio a deixou mais confiante ainda: a melhor amiga dela, Lavínia, começou a estudar na mesma sala. Agora, após esse início complicado, minha filha vai para a escola feliz todos os dias.”