Era uma vez um grupo de crianças de várias idades que se viu diante de uma estante de livros meio maluca. De longe, já se observava uma imensidão de cores e tons, era impossível organizar o olhar. Quando elas foram chegando mais perto, viram que cada obra possuía um tamanho diferente: umas chegavam a passar dos 30 centímetros, outras não mediam mais que 10. Mais próximo ainda, perceberam que havia lombadas – aquele material que segura, cola ou costura as páginas – diversas: algumas em tecido, outras se diferenciavam da cor da capa do livro, umas finas, outras grossas. As crianças começaram, então, a querer mexer naquela coisa toda, a pegar mesmo.

Os bebês tentavam segurar, exploravam de todas as formas. As crianças maiores se prendiam aos tipos de ilustração (aquarela, carvão, lápis, colagens). Abriam, alisavam as folhas, voltavam para ver de novo e notavam que, dentro daqueles livros, além das histórias, havia um jeito especial de contar as histórias. Variavam os tipos de desenhos, de letras, de cores das páginas, de papéis; tinha até livro com buracos, abas para abrir e personagens presos dentro das dobras, ali no grampo que prende as páginas. Uma loucura de opções.

Num mundo ideal, as características desta estante inventada estariam em qualquer biblioteca básica – fosse ela em casa, na escola, instituições públicas ou livrarias. A boa notícia é que, nas últimas décadas, o Brasil avançou graficamente no mercado do livro por conta de várias questões: políticas públicas nos setores da economia, educação e cultura; formação de professores; edições diferenciadas nas livrarias que recebem crianças; novas editoras, mais voltadas para livros feitos artesanalmente ou com formatos mais ousados, desafiando as gráficas brasileiras; artistas com mais espaços de imaginar histórias em que se privilegie um casamento potente entre texto, imagem e design. É, também por isso, que os livros que líamos quando crianças não eram como estes que vemos hoje. Dos bebês aos maiores, a materialidade das obras ficou cada vez mais relevante para o convite à leitura.

Afinal, quando falamos de estímulo à leitura, em qualquer idade, a palavra mais importante é diversidade. Desde bebê, a criança vai experimentando o mundo pelos sentidos. “Propor diversas experiências a elas, portanto, mostra que o livro também pode ser um caminho para conhecer o mundo. O material é importante, pois vai contribuir para que essa criança se sinta estimulada a conhecer outros títulos, uma vez que ele passa a ser objeto de curiosidade, de prazer e, claro, de pensar”, diz a arte-educadora Camila Feltre, mestre em artes na Unesp, professora do curso de pós-graduação O Livro Para a Infância d’ A Casa Tombada (SP) e autora do livro É Um Livro… ? Mediações e Leituras Possíveis (Ed. Cultura Acadêmica/Unesp).

Como escolher

Não é porque o livro é “bonito”, tem capa dura ou está cheio de abas, texturas ou cores que ele é bom. Seja um livro-brinquedo (os de plástico, para ler no banho; os de pano, para a criança manusear com mais segurança; os pop-up ou com abas, para adulto e criança brincarem e se surpreenderem na hora da narrativa), seja um livro informativo (com a prioridade de ensinar algo como números, letras e cores) ou seja um com “apenas” uma história, há várias maneiras de avaliarmos a qualidade de uma obra e, a partir daí, formar um ótimo repertório.

“Em um bom livro, nada que está ali é por acaso: formato, tamanho, técnica da ilustração, paleta de cores, fonte da letra. Tudo está para comunicar algo. Na hora de escolher, é importante atentar para essas possibilidades”, diz Denise Guilherme, mestre em educação e criadora de A Taba, empresa e site especializados em curadoria de livros. Sendo assim, já que as opções nas prateleiras são inúmeras, os pais devem se informar sobre as obras e ler indicações. Mas nada como o impacto que a leitura vai causar neles próprios.

Por isso, a dica é: experimente! Se ao longo dos anos o adulto, em geral, se desliga da materialidade do livro, quando se torna pai ou mãe tem a oportunidade de reencontrar esse prazer. Retornamos àquela sensação de aprender algo novo – não raro, porém, a gente se afoba na hora de “ensinar”. Qual a saída, então? Para a atriz, contadora de histórias e pesquisadora Letícia Liesenfeld, acima de tudo, é essencial que o adulto se conecte ao livro antes de apresentá-lo à criança. “Quando trabalhei em oficinas com famílias com bebês nas redes de bibliotecas em Portugal, a primeira coisa que eu pedia para as pessoas é que pegassem nos livros, examinassem pequenas falhas, cheirassem…”, diz. Em vez de ficar na frente da criança dizendo a ela como fazer, a especialista sugere que você vá por trás dela ou a coloque no colo. “Até para ensinar a pressão ideal para virar as páginas, algo que é bem complexo para os pequenos”, completa.

A variedade de materiais das obras é ainda maior quando o assunto é livros “só para bebês”. Nesse caso, não apenas por uma questão de segurança ou de capacidade motora e cognitiva. “Para eles, a materialidade é fundamental também por outro motivo: o literário se apresenta no corpo, nos sentidos. Aí entram a textura, a sonoridade, o manuseio da página. O formato traz autonomia narrativa, ou seja, o bebê se vê como leitor, mesmo com a mediação de um adulto”, diz a psicóloga Cássia Bittens, criadora do projeto Literatura de Berço e pesquisadora da área de Crítica Literária da PUC-SP.

Ela exemplifica esse conceito com o livro Uma Lagarta Muito Comilona (Ed. Callis), um clássico do norte-americano Eric Carle, que narra a história de uma lagarta que sai do ovo faminta e come uma maçã na segunda-feira, duas peras na terça, três ameixas na quarta e por aí vai até se empanturrar, engordar, virar casulo e, então, borboleta. A trajetória superconhecida do bicho acontece de forma diferente pelo tom de humor que textos e imagens oferecem, e também porque, na versão original (há mais de uma dezena delas pelo mundo), o autor deixa marcas do caminho da lagarta com furos que correspondem ao número de frutas. “Ao brincar com eles, o bebê está sendo ativo na leitura e, ao mesmo tempo, entrando no mundo da fantasia, que é o que o literário faz com qualquer um de nós [nos coloca no lugar do outro]. Para o bebê, isso acontece por esse meio concreto”, diz.

Por fim, vale lembrar que, seja cartonado, com números e cores, cheio de recursos de texturas ou feito “somente” para fácil manipulação das pequenas mãos, o livro para crianças também deve preservar a surpresa. Algo que pode vir do estranhamento, do riso, da aba que ora abre para cima e ora para baixo, da leitura que tem de ser feita de ponta-cabeça… O papel é o limite – ou melhor, não é.

Testando os sentidos

Para além do literário e do envolvimento com as histórias e seus jogos simbólicos, livros de diferentes materiais estimulam os cinco sentidos de crianças de todas as idades e os tornam familiares – especialmente no caso dos bebês

1. TECIDO – encontrados em maior quantidade em lojas de brinquedos artesanais, os livros com tecidos são fáceis de o bebê manusear e pegar, como os com velcro, por exemplo, oferecendo possibilidades de a criança brincar. Se não tiver nenhum item musical, pode até ser lavado!

2. PLÁSTICO OU BORRACHA – são amados pelos bebês porque podem tornar as brincadeiras na água, tanto no banho quanto nas pequenas piscinas no verão, ainda mais divertidas. Fáceis de pegar, provavelmente eles vão querer arrastar o objeto pela casa toda, pois são os mais leves de todos.

3. CARTONADOS – estes têm as folhas mais grossas e também dão autonomia mais rápido para o bebê conseguir imitar o adulto no ato de folhear. Escolha os arredondados nas pontas, que são melhores ainda para o manuseio. Mais pesados, vão provocar na criança pequena mais relações do livro com o espaço (como deixar bater no chão ou empilhar em um canto da sala). Sim, como os outros já citados, ela vai querer colocar na boca, atenção!

4. COM MÚSICA – como os brinquedos, a escolha da música ao toque estimula a noção de causa e efeito, além de distrair o pequeno em horas de apuros! O ideal é escolher com sons não muito altos, além de músicas suaves para que o estímulo não cause irritações desnecessárias (para o bebê e o adulto!).

5. COM TEXTURAS E BURACOS – os livros com tecidos ou cartonados podem oferecer diferentes texturas para as crianças exercitarem o tato, com pelinhos, papéis ásperos, barulhos extras que surpreendem, buracos que compõem formas etc.

6. COM POP-UP – abre a página e, pronto, algo “pula” (que, em inglês, significa pop-up) na frente do bebê. Quem não se encanta? Tanto que há livros assim também para colecionadores, como uma versão especial de O Pequeno Príncipe. É uma oportunidade de treinar a convivência com peças delicadas, mesmo que, para compreender isso, o seu filho tenha de rasgar as páginas, sem querer.

7. COM ABAS – há diversas opções no melhor estilo “abre e uma surpresa aparece”. O bebê vai querer repetir sem parar e quanto mais criativo e interessante, melhor!

8. COM DEDOCHES – estes, acima de tudo, servem para chamar a atenção na hora de ler ou narrar a história, com esse recurso divertido. Aos poucos, ele mesmo vai tentar “ser” o personagem também.

 

Fonte: Revista Crescer